Capital de Santa Catarina planeja proibir a distribuição de comida em local público; medidas são inconstitucionais segundo Defensoria Pública
Reportagem de Anthony Cervinski e Iraci Falavina, em parceria com o Cotidiano UFSC
O primeiro e único Restaurante Popular de Florianópolis, localizado na Avenida Mauro Ramos, encerrou suas operações em fevereiro após dois anos de funcionamento. O serviço oferecia cerca de duas mil refeições por dia, incluindo café da manhã, almoço e jantar.
“A gente só tem um restaurante popular, que está fechado agora e as pessoas não estão se alimentando, porque a metade das pessoas que vão se alimentar na Passarela não tem comida para elas – e aí a gente tem que comer das lixeiras”, ressalva Daniel de Santos, do Movimento Nacional de Pessoas em Situação de Rua.
Segundo a prefeitura, o restaurante será reformulado e deve reabrir em até 90 dias. A reformulação, no entanto, inclui a proibição do acesso ao serviço pela população em situação de rua. O então Restaurante Popular passará a se chamar “Restaurante da Família e dos Trabalhadores”.
Com a restrição, pessoas em situação de rua deverão ser atendidas exclusivamente na Passarela da Cidadania, principal serviço de acolhimento da cidade, que oferece até 350 refeições por turno, segundo informações oficiais. Em fevereiro, a capital catarinense registrou 3.850 pessoas vivendo em situação de rua, segundo dados do Cadastro Único (CadÚnico).
A prefeitura não apresentou um planejamento para atender a demanda alimentar da população em situação de vulnerabilidade social durante o período em que o Restaurante Popular estiver fechado. O local era o único equipamento de segurança alimentar disponível em toda Florianópolis – cidade que registrou, no mês de fevereiro, a terceira cesta básica mais cara entre as 27 capitais brasileiras, custando R$ 807,71. Os dados são do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE).
Os planos do Executivo municipal para a mudança no Restaurante Popular são antigos. Em maio de 2024, o secretário-adjunto de Assistência Social, Aníbal González, já havia comunicado que o foco do local mudaria, confirmando a intenção de limitar o acesso das pessoas em situação de rua.
“O Restaurante Popular vai ter o seu foco no entorno, dos trabalhadores e estudantes. A qualificação melhor para atender a população em situação de rua será aqui [na Passarela]”.
Florianópolis foi uma das últimas capitais do Brasil a implementar um Restaurante Popular. Em agosto de 2023, um ano após a inauguração, a prefeitura planejava ampliar o serviço. Uma segunda unidade seria criada na região continental da cidade. A ideia, no entanto, nunca saiu do papel.
Além de não ampliar o serviço, a prefeitura fechou a única opção disponível até então. A medida foi questionada pela Defensoria Pública de Santa Catarina, que ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP) para garantir o funcionamento do Restaurante Popular. No entanto, a Justiça negou a ação e manteve o restaurante fechado.
A nossa equipe procurou a prefeitura e questionou a falta de um planejamento para atender a população vulnerável durante o período de reformas do Restaurante Popular. Além disso, pedimos informações sobre a capacidade total da Passarela da Cidadania para atender a população em situação de rua e se o serviço de alimentação e acolhimento do local funcionaria durante os desfiles de Carnaval.
Até a finalização desta reportagem, a prefeitura municipal não havia respondido nenhum dos questionamentos.
Um dia antes do fechamento do Restaurante Popular, organizações sociais manifestaram-se contra a medida. Dezenas de pessoas se reuniram em frente ao local em um ato que pedia a continuidade do serviço.
Reginaldo participou do ato e explicou à reportagem que frequentava o local todos os dias com a família. Para ele, o orçamento do mês vai ficar mais apertado. “Já cortou a nossa água, cortou as frutas, cortou a salada, agora quer cortar o feijão e arroz que é o básico?”, questiona.
Jorge, 59 anos, está desempregado e frequentava o Restaurante Popular há 8 meses. A idade e os problemas de saúde que vem enfrentando são barreiras para acessar o mercado de trabalho. “Eu não sei onde que eu vou comer, eles falaram que é para comer em outro lugar aí, sei lá, na Passarela, mas lá é um lugar que tem bastante gente, que tem que pegar ficha, bem diferente daqui”, lamenta.
Para conseguir comer na Passarela, Jorge precisaria sair mais cedo de casa para entrar na fila, além de ter que percorrer uma distância maior. “Não tenho um plano de o que fazer, eu tenho que ir para outro lugar onde eu consiga fazer uma refeição. No momento eu não tenho condições de pagar”, diz.
Novo decreto limita distribuição de alimentos
Além da mudança no Restaurante Popular, a prefeitura de Florianópolis também pretende proibir a distribuição de alimentos gratuitamente em locais públicos da cidade. No dia 18 de fevereiro, o secretário de assistência social, Bruno Souza, anunciou, em suas redes sociais, a elaboração de um decreto que pretende estabelecer que todas as doações sejam realizadas exclusivamente na Passarela da Cidadania.
A medida também deve prever multa, de valor ainda não definido, para quem descumprir o regramento. O decreto estava previsto para ser publicado após o carnaval, mas não foi oficializado até o momento.
Assim como os planos para o Restaurante, os deste decreto também são antigos. Em abril de 2024, o prefeito Topázio Neto (PSD) já havia anunciado a possibilidade de aplicar a medida. Segundo ele, há preocupação com a falta de fiscalização da vigilância sanitária e o afastamento das pessoas em situação de rua do sistema municipal de assistência social.
“Não cabe mais na cidade que qualquer entidade, que queira fazer distribuição de alimentação ao morador de rua, pare uma van e, sem nenhum tipo de fiscalização ou sem nenhum tipo de acompanhamento da vigilância sanitária, começa a distribuir marmita”, anunciou Topázio.
A medida, no entanto, é inconstitucional e ilegal, segundo a defensora pública de Santa Catarina, Ana Paula Fischer, que abriu um procedimento administrativo para acompanhar a situação e solicitou informações à prefeitura em relação ao funcionamento do decreto.
“Nos preocupava pelos termos em si [do decreto], por impedir a atuação solidária e fraterna da população em relação ao público vulnerável, mas nos preocupa também neste contexto que estamos de uma restrição ainda maior do atendimento de segurança alimentar”, explica.
Uma pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) identificou que Florianópolis possui mais de 20 cozinhas solidárias em operação. Uma delas é mantida pelo projeto Além dos Olhos. Todas as segundas-feiras à noite, um grupo de voluntários do projeto entrega uma média de 250 refeições para pessoas em situação de rua e outros grupos em vulnerabilidade social. A distribuição gratuita acontece há mais de 10 anos, sempre em frente à Catedral Metropolitana.
“Hoje, infelizmente, muitas famílias vão comer na rua. As pessoas descem dos morros e vão jantar. Para muitos, é a primeira refeição do dia. Muitas vezes comeram só uma farinha, pão puro ou alguma coisa de manhã”, lamenta Sonia Oliveira, presidente do projeto.
Durante a pandemia de Covid-19, as cozinhas da cidade passaram a trabalhar de forma unificada e coordenada. A colaboração resultou na formação da Rede com a Rua, da qual o projeto Além dos Olhos faz parte. Atualmente, quinze cozinhas trabalham em conjunto, distribuindo, em média, 200 refeições por dia.
Segundo Sonia, a proposta da prefeitura é incoerente e a maior parte dos grupos rejeita a possibilidade de servir as refeições na Passarela por considerar o local inadequado. “Nós temos um programa de cozinhas solidárias e recebemos o alimento do Governo Federal. Então vem uma prefeitura, que é menor do que um Governo Federal, e ela limita esse direito”, questiona.
A cozinha solidária Amigos da Sopa entrega 250 refeições nas noites de terça-feira, também em frente à Catedral. Maria das Graças Vieira, coordenadora do grupo, relata que a procura aumentou após o fechamento do Restaurante Popular. Antes, sobravam de 20 a 30 marmitas, que eram enviadas para moradores das comunidades da região central da cidade. Já no dia 11 de março, o grupo não conseguiu atender a alta demanda, que contava com pessoas idosas, famílias e pessoas com deficiência.
“Atendemos aqueles que estão em insegurança alimentar. O pessoal que desce o morro, que vem de outra comunidade e trabalha, mas o que ganham não é o suficiente, porque pagam o aluguel que é caro e muitas vezes ganham só um salário mínimo. Eles passam aqui para pegar uma marmitinha. É isso que a gente faz”, explica.
Para Graça, a distribuição das refeições em frente à Catedral Metropolitana é fundamental para atender um público que a prefeitura não alcança. “São pessoas que não conseguem nem sair do lugar porque estão debilitados ou tem aqueles que realmente não vão na Passarela porque já foram maltratados no local”, diz.
Passarela acumula críticas e denúncias
O local para onde a prefeitura quer enviar todos os tipos de atendimento a pessoas em situação de rua, a Passarela da Cidadania, vem recebendo denúncias há pelo menos cinco anos.
Em 2024, um relatório do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) identificou uma série de irregularidades no local, como acúmulo de pessoas nos dormitórios, falta de ventilação e risco de transmissão de doenças. Segundo o documento, a passarela é um “verdadeiro depósito de pessoas”.
A estrutura também foi considerada precária e insuficiente. Alguns dormitórios não tinham janelas e acumulavam problemas. “Além das paredes de tapume, o espaço entre as camas é muito estreito e a limpeza no local é deficiente. Ademais, os colchões estão em estado precário e as camas não têm lençois”, diz o relatório.
O documento também destaca problemas nos serviços mais básicos, como a falta de banheiros, bebedouros precários e poucos ventiladores nos quartos que acolhem um número elevado de pessoas. Além disso, faltavam equipamentos para combate de incêndio no andar superior do prédio. Uma das portas de saída de emergência estava trancada “de maneira que um eventual fogo poderia isolar os acolhidos em uma das pontas do pavimento”, de acordo com o CNDH.
Nas noites de 28 de fevereiro e 1 de março, enquanto os tamborins soavam na Passarela Nego Quirido, no centro de Florianópolis, a paisagem vizinha trazia um grande contraste. De um lado, no primeiro dia de desfile, a escola de samba Embaixada Copa Lord, originária do bairro Monte Serrat, exibia seu espetáculo junto de sua presidente, Fernanda Lima. De outro, o abrigo para pessoas em situação de rua onde o pai de Fernanda, Osvaldo Lima, vai todos os dias buscar comida.
O projeto Passarela da Cidadania ocupa o mesmo espaço do complexo onde ocorrem os desfiles de carnaval da cidade. Todos os dias, a organização do local distribui refeições e oferece camas para pessoas em vulnerabilidade socioeconômica. A fila para conseguir uma das 80 fichas distribuídas para o jantar começa a se formar a partir das 17h. A comida, no entanto, só é servida três horas depois, às 20h. Mulheres e pessoas LGBT+ têm prioridade e recebem as fichas a partir das 19h30.
Com medo de ficar de fora, Osvaldo chega cedo para tentar garantir seu lugar. Ele foi presidente da Copa Lord em 1982 e se orgulha da trajetória que construiu. Hoje, sua filha de 26 anos segue seu legado. Às vezes, Osvaldo sente pena do estresse que Fernanda passa e questiona: “Quem foi que te botou essa ideia de trabalhar com o carnaval?”, ao que ela responde “Adivinha, pai”.
Osvaldo não está em situação de rua, mas depende da alimentação distribuída pela prefeitura. Antes de recorrer à Passarela, ele frequentava o Restaurante Popular de Florianópolis, fechado no dia 22 de fevereiro. Segundo ele, o local também enfrentava alta procura e teve falta de comida em outubro de 2024.
O contraste de cenários não é exclusividade deste ano. No Carnaval de 2024, todas as janelas do local onde funciona o acolhimento foram fechadas com tapumes. Luciana*, que estava abrigada, acredita que a medida ocorreu para impedir a visualização dos desfiles e esconder a situação de quem foi à Passarela para frequentar camarotes e curtir a festa.
“Foi um show de horrores sem a ventilação das janelas. Fora os holofotes ligados que queimaram quem dormia na parte de vidro”.
Aline Salles, fundadora do coletivo Voz das Manas, frequentou a Passarela durante o Carnaval de 2025 e confirma que a falta de ventilação continua.
“Estava horrível, tem um ventilador só e é muito barulho para conseguir dormir. A gente que é novo nem sofre tanto, mas tem muita gente idosa e para eles é ainda pior”.
Das quase quatro mil pessoas em situação de rua em Florianópolis, segundo o CadÚnico, cerca de 86% são homens e 14% mulheres. A Passarela da Cidadania oferece 160 vagas de pernoite, conforme a Secretaria Municipal de Assistência Social. Na área externa do abrigo, há 11 cabines de banheiro químico e dois chuveiros: um feminino e um masculino. O horário de banho é limitado: das 19h às 22h.
Além da Passarela, existem quatro outros locais de acolhimento em Florianópolis. O Albergue Noturno Manoel Gaudino Vieira, o convênio com o Hotel 2S e duas casas de apoio chamadas de Casas Rosas: uma em Capoeiras, na área continental da cidade, e outra no Centro. Juntos, os locais oferecem ao todo cerca de 500 vagas – número incompatível com a quantidade de pessoas que precisam de local para dormir.
Marcelo*, 60 anos, é amigo de Osvaldo e também depende da alimentação da Passarela. Ele conta que, ao menos três vezes por semana, membros da Igreja Batista Creia realizam cultos no pátio do local. Luciana confirma: “sempre teve culto lá, só nunca teve macumba, mas porque nenhum pai ou mãe de santo quis fazer”.
Zenaide*, de 57 anos, diferentemente de Osvaldo e Marcelo, depende da Passarela para dormir também. Oriunda da cidade de Porto União, na fronteira com o Paraná, ela está em Florianópolis há 8 meses e trabalha vendendo paçocas na rua.
Durante as conversas com Osvaldo, Marcelo e Zenaide, na Passarela da Cidadania, a equipe do Desterro e do Cotidiano foi abordada duas vezes por trabalhadores do local. Pouco tempo depois, um dos funcionários subiu nas escadas em frente ao abrigo e gritou: “Pessoal, se vier alguém pedir dados para vocês sem a nossa autorização, não é para passar!”.
Histórico de falhas e corrupção
De acordo com a defensora pública do Estado, Ana Paula Berlatto Fão Fischer, há um tratamento generalizado da população em situação de rua, quando, na verdade, se trata de um grupo heterogêneo. Para Fischer, é necessário falar da precarização do acesso à documentação básica, um impeditivo ao acesso de direitos. Para ela, o problema vai além da necessidade de criação de serviços, visto que há “negativa de serviços existentes”.
Em entrevista ao Desterro/Cotidiano, a defensora afirmou que a Passarela da Cidadania não respeita a Política Nacional de Assistência Social (PNAS). Segundo Fischer, a situação da Passarela é um “completo desastre”.
Em julho de 2020, a DPE entrou com uma ação civil contra as irregularidades do serviço levada à Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital. A ação se refere ao fornecimento de atendimento técnico, alimentação, acesso à rede de serviços de assistência social e de saúde, “além de se apresentar completamente insalubre e inadequado pelas condições de higiene, de limpeza, de acesso aos serviços, e de banheiros”.
A Operação Pecados Capitais, da Polícia Civil, deflagrada no fim de 2024, investiga acordos de colaboração entre a Prefeitura de Florianópolis, o Núcleo de Recuperação e Reabilitação de Vidas (Nurrevi) e o Instituto Amor Incondicional (Aminc) entre 2020 e 2022. Até o momento, foram presos o pastor Marcos André Pena Ramos, diretor do Nurrevi e vice-presidente da Aminc, e o ex-secretário adjunto de Assistência Social de Florianópolis, Jeferson Amaral da Silva Melo.
O Nurrevi e a Aminc eram as gestoras, respectivamente, da Passarela da Cidadania e do Restaurante Popular, no período investigado. Segundo a Polícia Civil, há indícios de um esquema para que essas instituições fossem as únicas selecionadas nos Editais de Chamamento Público realizados pela prefeitura. Juntas, as instituições teriam recebido aproximadamente R$ 40 milhões vindos dos cofres públicos.
Aporofobia como política pública
Aporofobia, também conhecida como “pobrefobia” no Brasil, é um termo criado pela filósofa espanhola Adela Cortina para indicar a aversão ou rejeição aos pobres. O preconceito pode se manifestar de forma individual ou em políticas públicas, além de entrelaçar com outros tipos de discriminação.
Em abril de 2024, a prefeitura municipal apoiou o lançamento da campanha “Esmola Não”, iniciativa organizada pelo Movimento Floripa Sustentável (FS) – grupo de 44 entidades e empresas de Santa Catarina, que também contou com o apoio da 30ª Promotoria de Justiça da Capital do Ministério Público Estadual de Santa Catarina (MPE/SC).
“Dê oportunidades, não dê esmola”, dizia uma faixa estendida por três homens de coletes amarelos no semáforo da Avenida Beira-Mar Norte, próximo ao Majestic Palace Hotel. O prefeito Topázio Neto (PSD) e o então secretário de Assistência Social e hoje secretário-adjunto, Aníbal González, participaram do evento de lançamento.
Durante a coletiva de imprensa, o prefeito Topázio Neto falou sobre as medidas para o Restaurante Popular. Segundo ele, as pessoas em situação de rua geravam “confusão” no local. Para solucionar os problemas, a prefeitura inaugurou um local exclusivo para alimentação da população em situação de rua, na Passarela da Cidadania, o Centro de Convivência Dia.
O local está sob responsabilidade do Núcleo de Recuperação e Reabilitação de Vidas (Nurrevi) – o mesmo investigado por corrupção pela Polícia Civil. A OSC recebeu mais de R$ 5 milhões para implementação do Centro de Convivência Dia. Café da manhã, almoço e lanche da tarde seriam distribuídos para até 150 pessoas – que também receberiam outros atendimentos, como oficinas de capacitação profissional, lavanderias e banheiros para uso pessoal.
Para André Schafer, líder do movimento da população em situação de rua, há um projeto de criminalização dos mais vulneráveis. Schafer, que viveu mais de 15 anos em situação de rua, conta que, apesar de ser senso comum recorrente na capital catarinense, a esmola não é um fator determinante para manter pessoas em situação de rua. “Até parece que as pessoas estão na rua por causa da esmola. As pessoas estão na rua por uma questão social, econômica e política”, diz.
De acordo com ele, a solução parte da criação de políticas públicas que atendam efetivamente quem precisa. “Falar sobre oportunidade é falar sobre moradia, sobre geração de renda. Oportunidades é criar o acesso. É criar várias escolhas, várias portas para que a pessoa possa escolher”, completa.
A gestão Nurrevi foi tema de entrevistas que deram origem ao newsgame “Peregrina”, que investigou as condições dos abrigos para pessoas em situação de rua em Florianópolis nos anos de 2021 e 2022. Alguns dos relatos informam negativas até mesmo na doação de vestimentas. O jogo é gratuito e está disponível para download aqui.
“Epidemia” de moradores de rua
Até o dia 28 de fevereiro deste ano, a Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS) possuía um serviço de abordagem social, voltado para pessoas em situação de rua com emergências médicas ou sem possibilidade de locomoção. Desde então, este serviço não existe mais.
O fechamento foi comunicado através de um e-mail assinado pela titular do Comitê de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua, Andreza Laura da Rosa Silva. No texto, ela informa que os casos que eram atendidos pela abordagem agora deverão ser encaminhados ao Corpo de Bombeiros, ao Centro Pop ou à Guarda Municipal — “quando for caso de pessoas em situação de rua alteradas”, explica Silva na mensagem.
A busca por soluções para o contexto atual da população em situação de rua no Estado chegou a ser tema de uma audiência pública, na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) em março.
A prefeitura não enviou nenhum representante da secretaria de Assistência Social. O deputado Matheus Cadorin (Novo), um dos proponentes da reunião, afirma que o órgão foi convidado e alegou motivos de agenda para não comparecer.
O debate se concentrou majoritariamente em abordar segurança pública e dependência química. Jessé Lopes (PL) falou em “epidemia” de população em situação de rua e defendeu a internação compulsória. Lopes citou o exemplo da Casa de Passagem de Criciúma, cujo acolhimento das pessoas ocorre “infelizmente, de forma voluntária”. Ele ainda questionou medidas que busquem garantir a segurança das pessoas em situação de rua. “Segurança? Eles são a insegurança”, disse.
José Eduardo de Oliveira, da Pastoral do Povo da Rua, questionou a insistência em tratar as pessoas em situação de rua como um problema restrito à segurança pública. “Não teve ninguém aqui falando de habitação, emprego, renda, Secretaria de Esporte e Educação, a Secretaria de Saúde saiu correndo, não sei por quê” – Oliveira referiu-se à saída do secretário de saúde Diogo Demarchi Silva, antes do fim da audiência.
O representante do movimento popular também se mostrou insatisfeito com a mudança de foco do Restaurante Popular, anunciado pela prefeitura. “Aí vem o secretário [Bruno Souza], e diz que o Restaurante Popular tem que chamar Restaurante da Família, como se pessoas em situação de rua não tivessem família, ‘fosse tudo filho de chocadeira’”.
A prefeita em exercício de Florianópolis, Maryanne Mattos (PL), comentou o fato de as medidas serem criticadas como “higienistas”.
“Eu quero essa higiene para todas as pessoas. Agora eu querer isso para a pessoa não significa que eu estou dizendo que pessoas são sujeiras”.
Mattos ainda saudou o trabalho da Guarda Municipal, da qual faz parte. “A gente não pode deixar virar o que tá virando: um direito morar na rua. Eu não quero esse direito para a minha filha”.
Daniel de Santos, do Movimento Nacional de Pessoas em Situação de Rua, criticou o tom utilizado durante o encontro. Santos viveu em situação de rua por dez anos e reforçou a importância de uma política de segurança alimentar dentro de Santa Catarina.
“Quando eu ouvi falar numa audiência pública, eu pensei que a gente vinha aqui para falar sobre política pública. Não para ser criminalizado”.
*Alguns nomes foram alterados para proteger a integridade das fontes